Anyone with a vehicle that moves at the speed of light, a teletransporter or any other dusty artefact of unclear origins that serves the same purpose can find me, at this moment, here:
20, 26941 Degrees South; 148, 71349 Degrees East
I’ve moved to far away.
Este texto, ao contrário do que o título pode sugerir, é sobre o ato de partir mais do que o lugar para onde se vai. Não obstante, o título parece-me invariavelmente preciso. Reconheço que inicialmente queria escrever sobre o sítio para onde vim e sobre mim, mas acabei por escrever apenas sobre mim.
Paris, 1972
Um táxi determinado passa pelo Palais du Louvre e atravessa o Sena em direção a Saint Germain des Prés. Passada a ponte, vira à esquerda e continua brevemente pela margem. Dentro segue o taxista e um homem de jornal na mão. Antes da última viragem para a direita, o homem desliga-se do papel, olha pela janela e pede ao condutor que encoste e o deixe ali mesmo. Observa o rio e enfia-se de seguida pela Bonaparte até ao número vinte e um, onde entra.
O homem, um jornalista britânico é recebido por uma famosa arquiteta e designer irlandesa de nome Kathleen Smith. Aos 93 anos, esta continuava tão fascinante quanto melancólica, tão pragmática como solitária. Entre os dois encontra-se uma pequena mesa de metal e vidro e sessenta anos de vidas muito diferentes.
A artista é filha de artista, do pintor James Smith e de uma família abastada. Em 1898, tornou-se uma das primeiras mulheres a estudar pintura na Slade – School of Fine Art em Londres. Quatro anos depois mudou-se para Paris onde mais tarde abriu a sua própria galeria e viria a viver a maior parte da sua vida. Sempre habituada a estar rodeada pelos grandes artistas e paradoxalmente invadida por um sentimento incessante de solidão.
O jornalista nascera em Sheffield em plena Segunda Guerra Mundial. Passou mais de metade da sua infância em colégios internos e concentrava todo o entusiasmo de criança num objeto de um armário da casa da avó: um pedaço de dinossauro. Queria ser arqueólogo. O pai ouviu-o e arranjou-lhe trabalho numa outra coisa qualquer.
No centro temático do encontro estava a venda recente, pelo valor recorde de sessenta e quatro mil moedas, de uma tela lacada da pintora. Tratava-se de uma peça composta por quatro painéis marcados por um vermelho vivo e intenso. Aquela venda acontecia sessenta e dois anos depois de ter sido pintada. A peça do início da sua vida apareceu-lhe notícia também no fim.
Esta entrevista seria por esta altura algo de único e excecional uma vez que a artista teimava em reclusar-se aos meios de comunicação social. Acontecera vezes sem conta, embora seja pertinente reconhecer que, por esta altura, a chuva de pedidos já teria provavelmente parado ou abrandado significativamente. E esta também teria sido recusada. Aceitou depois de lhe ter sido dito o nome do jornalista.
Na parede, por cima da mesa de café e dos dois, está pendurada uma moldura preenchida com um mapa do mais sul da América do Sul. O jornalista olhou-o fixamente e a conversa mudou de rumo.
– Nunca lá fui e com esta idade já não vou.
– Eu também não.
– Olhe, vá lá por mim!
A entrevista levada a cabo neste dia nunca foi escrita nem publicada.
A arquiteta irlandesa faleceu quatro anos depois. De nome Kathleen Eileen Moray Smith, conheces-la, provavelmente, como Eileen Gray.
Eileen Gray nunca foi à Patagónia.
A peça vendida tinha como título Le Destin – O Destino.
O jornalista despediu-se do Sunday Times Magazine dois anos mais tarde. Fê-lo enviando uma única mensagem ao seu patrão onde se lia apenas: “Fui para a Patagónia.”
Bruce Chatwin publicou em setenta e sete o seu primeiro livro: “Patagónia”. Deixou de ser anónimo.
A casa da avó e o pedaço de dinossauro no armário são temas iniciais do livro.
O pedaço de dinossauro foi encontrado, inicialmente, por um primo da avó na Patagónia.
Fui.
Adenda posterior à publicação (fruto da confusão)
Nem sempre é clara e objetiva a razão para a tomada de certas decisões cujos impactos são minimamente significativos. Como contador de histórias, o meu trabalho é ligar pontos e banquetear-me com a continuidade, o enredo. Acredito que este episódio apenas tenha maior substância para aqueles que conhecem de antemão estas duas personagens que, apesar de conhecidas, não são cantores pop. Por isso tive a necessidade de completa-lo com esta nota adicional reforçando o porquê de aqui estar: o significado dos episódios insignificantes e quanto menos deles se souber, melhor.
Por motivos diferentes, desenvolvi uma admiração gentil por estes dois artistas e só muito recentemente descobri que se tinham cruzado no infinito manto do espaço-tempo. E, ao jeito de cada um, numa conversa esquecida envolta de mistério, cujo conteúdo não produziu coisa palpável (à exceção de algumas notas no caderno de Bruce), conseguiram provocar suposições, pontos de ligação. Gosto de pensar que o pedaço de dinossauro incutiu a Chatwin a curiosidade que, decadas mais tarde, Eileen incinerou com audácia. E que, algures entre a conversa e a viagem, outras personagens, coisas e acontecimentos o empurraram sobre o agir. Cada um de nós tem um pedaço de dinossauro, uma Eileen Gray e uma Patagónia ainda que possam não ser óbvios. Partilhei esta história devido à incompetência em escrever sobre a minha própria. Se a minha avó tivesse em sua casa um pedaço de cauda de canguru, com certeza, teria sido tudo muito mais fácil.
This text, contrary to what the title might suggest, is more about the act of leaving than the place you’re going to. Nevertheless, the title strikes me as incredibly accurate. I recognise that I initially wanted to write about where I came to and about myself, but I ended up writing only about myself.
Paris, 1972
A determined taxi passes the Palais du Louvre and crosses the Seine in the direction of Saint Germain des Prés. Once over the bridge, it turns left and continues briefly along the bank. Inside, there’s a taxi driver and a man with a newspaper in his hand. Before the last turn to the right, the man hangs up the paper, looks out the window and asks the driver to pull over and leave him there. He watches the river and then walks along Bonaparte to number 21, where he gets in.
The man, a British journalist, was welcomed by a famous Irish architect and designer named Kathleen Smith. At 93, she was as fascinating as she was melancholic, as pragmatic as she was lonely. Between the two of them is a small metal and glass table and sixty years of very different lives.
The artist is the daughter of an artist, the painter James Smith, and of a wealthy family. In 1898, she became one of the first women to study painting at the Slade – School of Fine Art in London. Four years later she moved to Paris where she later opened her own gallery and lived for most of her life. Always used to being surrounded by great artists, she was paradoxically invaded by an incessant feeling of loneliness.
The journalist was born in Sheffield in the midst of the Second World War. He spent more than half his childhood at boarding schools and focused all his childhood enthusiasm on an object in a cupboard at his grandmother’s house: a piece of dinosaur. He wanted to be an archaeologist. His father listened to him and got him a job doing something else.
At the thematic centre of the meeting was the recent sale of a lacquered canvas by the painter for a record price of 64,000 coins. It was a piece made up of four panels coloured a bright, intense red. The sale took place sixty-two years after it was painted. The piece from the beginning of her life also appeared to her at the end.
At the time, this interview was something unique and exceptional, given that the artist stubbornly kept to herself. It had happened time and time again, although it’s worth noting that by now the downpour of requests had probably stopped or slowed down significantly. And this one would have been turned down too. She accepted after being told the journalist’s name.
On the wall, above the coffee table and the two of them, hung a frame filled with a map of southernmost South America. The journalist stared at him and the conversation changed direction.
– I’ve never been there and at this age I hardly ever go.
– Neither have I.
– Look, go there for me!
The interview that took place that day was never written down or published.
The Irish architect died four years later. Named Kathleen Eileen Moray Smith, you probably know her as Eileen Gray.
Eileen Gray never went to Patagonia.
The piece sold was entitled Le Destin – The Destiny.
The journalist quit the Sunday Times Magazine two years later. He did so by sending a single message to his boss where it read: ‘I’ve gone to Patagonia.’
In seventy-seven, Bruce Chatwin published his first book: ‘Patagonia’. He was no longer anonymous.
His grandmother’s house and the piece of dinosaur in the cupboard are early themes in the book.
The piece of dinosaur was first found by one of his grandmother’s cousins in Patagonia.
I’ve gone to Australia.