Logo desde o início do percurso na escola de arquitetura é-nos imposto uma tarefa simples, mas particularmente difícil: encontrar os nossos mestres.
Os grandes nomes, dia após dia, são-nos arremessados sob a forma de grandes quantidades de informação. Havia de tudo, desde o mais ínfimo detalhe trivial de um escândalo amoroso (verdadeira cusquice) ao mais impessoal organigrama de estruturação espacial de determinado projeto do dito “grande nome”, afinal aquela era uma Escola de Arquitetura.
A avalanche de nomes era diária. Cada um de que ainda nos lembrássemos no dia seguinte simbolizava uma vitória, “Sou um pouco mais arquiteto”. E lá íamos rapidamente falar do novo mestre a um amigo que, muito certamente, retribuiria o favor. Aprendido, mas não apreendido.
Esta é a base de um ensino clássico, nada de particular daquela faculdade, portanto. Aliás, esta é uma lógica intrínseca ao próprio processo de ensino, no seu sentido mais lato. Aprende-se vendo o que se fez, e a evolução para o que se faz de modo a interiorizar o conhecimento (que também evoluiu). Ganhar conhecimento é a definição de aprender.
O “clássico” está na minha cabeça ligado à virtude dos mestres. Uma lista de nomes que pouco se altera e começa, na ordem cronológica dos respetivos tempos de vida (que tendem a coincidir com a ordem em que são apresentados), lá muito atrás. São clássicos. São os clássicos.
Mas neste contexto, a tarefa trivial académica é apenas conhecê-los, e este não é o objetivo de ninguém! Nem mesmo daqueles que nos confiam a tarefa… Um outro, realmente complicado de cumprir, incide em perceber se estes ditos são apenas clássicos ou outra coisa, os nossos heróis.
São aqueles em que a tarefa de os estudar é menos difícil (continua difícil), definitivamente menos enfadonha. Na minha experiência, possuem algo com que me identifico, e este “algo” não necessita de ser o seu trabalho. Na maioria das vezes não o é. Costuma ser uma atitude, a irreverência ou coragem de certas decisões, a assertividade de outras. Poucas vezes é a espetacularidade berrante, típica do conceito de herói.
A parte verdadeiramente interessante do processo é aquele momento em que, pelo nosso nível de conhecimento, nos conseguimos colocar exatamente no seu lugar e compreender a natureza das atitudes, sentir que poderíamos adivinhar a solução, se ainda dela não tivéssemos conhecimento.
O nível seguinte, no processo e na nossa maturidade é concretizar o mesmo procedimento, mas num nome de outra origem. Uma provocada por nós próprios, através do nosso trabalho e pesquisa.
A lista vai crescendo e o conhecimento com ela. No sentido inverso segue a perceção de esmagamento que estes nomes têm sobre nós. Somos cada vez menos pequenos. A diferença entre uns e outros esbate-se. Contudo, até então, nunca completamente.
Existe um sentimento de admiração que mantém a distância entre entidades, mas até este se transforma. Do triunfal e heroico, que desejamos ser, sem nunca deixar de pensar na inevitabilidade da impossibilidade de o atingir, para o banal, humano onde a admiração existe sempre seguida pelo pensamento: “Admiro, mas não vou por aí.”
Agora, também somos grandes e conhecemos o nosso íntimo ao ponto de saber, pelo menos, o que não queremos (sem que isto seja uma critica ou ato de revolta, somos livres). Esta forma de pensar, o hábito de observar o que existe nos outros, naqueles que o executam, é algo agora banal. É parte da minha incessante e ordinária busca por conhecimento.
Contudo, neste último ano e meio noto algo de diferente. A figura do “herói” deixou de ser omnipotente, encerrada num nome. Observo ter mais heróis, que se diversificaram estando a coisa já bem longe da lista inicial dos mestres, sobretudo arquitetos (na minha lista).
Passaram a assumir este caráter uma multiplicidade abundante de sujeitos. Muitos amigos, viajantes desconhecidos, um reflexo inesperado, a pedra estranha e demasiado baça, um gano caído, chuva repentina ou um pombo perneta que rouba comida no bar da faculdade.
Tudo partilha tempo e espaço. E se foi alvo do meu olhar e mereceu uma palavra “feio ou bonito; quente ou frio; surpreendente ou monótono”, então ensinou-me algo. Nem que seja algo sobre mim. Aprende-se o processo, e depois só se aprende.
Right from the start of one’ s path at architecture school, a simple but particularly difficult task is imposed on us: to find our masters.
The greatest names, day after day, are thrown at us in the form of vast amounts of information. There was everything from the tiniest trivial detail of a love scandal (a real gossip) to the most impersonal organigram of the spatial structuring of a certain project of that so-called “great name”; after all, this was a School of Architecture. The avalanche of names was daily. Each one we could still remember the next day symbolised a victory, “I’m a bit more of an architect”. And there we would quickly talk about the new master to a friend who, most certainly, would return the favour. Learned, but not apprehended.
This is the basis of a classic education, nothing particular to that faculty, therefore. In fact, this is an intrinsic logic to the educational process itself, in its broadest sense. One learns by seeing what one has done, and the evolution towards what one does in order to interiorize knowledge (which has also evolved). Gaining knowledge is the definition of learning.
The “classic” is in my mind is linked to the virtue of masters. A list of names that changes so little and begins, in the chronological order of their respective lifetimes (which tend to coincide with the order in which they are presented), way back there. They are classics. They are the classics. But in this context, the trivial academic task is just to know them, and this is nobody’s goal! Not even of those who entrust us with the task… Another one, really complicated to fulfil, is to understand if these are just classics or something else: our heroes.
They are the ones where the task of studying them is less difficult (still difficult), definitely less tedious. In my experience, they possess something I can relate to, and this “something” does not need to be their work. Most of the time it isn’t. It is usually an attitude, the irreverence or courage of certain decisions, the assertiveness of others. Very rarely is it the exuberant spectacularity typical of the hero concept.
The truly interesting part of the process is that moment when, because of our level of knowledge, we are able to put ourselves exactly in their place and understand the nature of these attitudes, to feel that we could guess the solution, if we were not already aware of it.
The next level, in the process and in our maturity, is to carry out the same procedure, but in a name of another origin. One provoked by ourselves, through our work and research.
The list grows and the knowledge with it. In the opposite direction follows the perception of overwhelm that these names have on us. We are less and less small. The difference between some and others blurs. However, until now, never completely.
There is a feeling of admiration that maintains the distance between entities, but even this is transformed. From the triumphant and heroic, which we wish to be, without ever ceasing to think about the inevitability of the impossibility of achieving it, to the banal, human, where admiration always exists followed by the thought: “I admire, but I don’t go there.”
Now, we are also great and we know our inner self to the point of knowing, at least, what we don’t want (without this being a criticism or act of rebellion, we are free). This way of thinking, the habit of observing what is in others, in those who are performing it, is something now banal. It is part of my incessant and ordinary search for knowledge.
However, in this last year and a half I notice something different. The figure of the “hero” is no longer omnipotent, enclosed in a name. I notice there are more heroes, which have diversified, being the situation already far from the initial list of masters, especially architects (in my list).
This persona was taken on by an abundant multiplicity of subjects. Many friends, unknown travellers, an unexpected reflection, the odd and too blunt stone, a fallen branch, sudden rain or a one-legged pigeon stealing food in the college bar.
Everything shares time and space. And if it was the subject of my stare and deserved a word “ugly or beautiful; hot or cold; surprising or monotonous”, then it taught me something. Even if it is something about me. You learn the process, and then you just learn.