Ordinaryruben: a traveller's notebook
October, 2024.
Tudo muda.
Passei os últimos meses a olhar para uma árvore de 12 metros de altura na Austrália a Norte do trópico de Capricórnio. Tem uma copa densa de folhas grandes e espessas.
As várias famílias de catatuas de crista amarela tem muita estima por esta árvore. Elas são aves grandes, brancas como a neve, de crista amarela arrogante e bico curto, preto e forte (como já testemunhou o meu mindinho).
As catatuas adoram os seus ramos fortes e ainda mais o fruto de casca rija que nenhum outro pássaro consegue abrir. Quando cá cheguei, a copa da árvore era predominantemente verde. Depois ficou verde com um nadinha de vermelho. Depois, um pouco mais do verde tornou-se vermelho e o outrora vermelho ficou amarelo. As folhas amarelas tendem a cair em maior quantidade que as verdes então quando a copa ficou visivelmente mais amarela, perdeu rapidamente a cor e as folhas. Nunca ficou completamente despida. E então as folhas verdes voltaram aguerridas e motivadas.
Quando pensei que a árvore ia voltar ao estado inicial, reparei que as catatuas eram agora pretas.
O voltar ao estado inicial é um mito fundamentado no medo intrínseco do ser humano à mudança.
Foi no fim do mestrado, em Agosto de 2022, que surgiu o primeiro esquiço do que viria a ser este espaço. Esse Verão ficou marcado por um reboliço de novas experiências, boas e más, normais na extensão natural do fio do espaço-tempo. Dores de crescimento. Após seis anos intensos como estudante de arquitetura, vi-me assustadoramente envolvido pela liberdade de ter à minha disposição um infinito de caminhos a percorrer. Pela primeira vez, a continuação do percurso não era óbvia. Pela primeira vez, nesse Verão, apanhei o primeiro metro da linha B na Casa da Música com destino à Póvoa (local onde vivia), às 6h06, por outros motivos que não o trabalho até tarde na faculdade: vida boémia.
O Ordinário surgiu no fim do Verão, depois de uma viagem fantástica à ilha da Madeira com cinco amigos. Impulsionado pela vontade de ter um cantinho no mundo digital onde pudesse expor algumas das minhas fotografias e pela procrastinação de adiar a entrada no mundo do trabalho, mundo dos “crescidos”. O OrdinaryRuben apareceu como o “segundo portfolio de um arquiteto” e era o local ideal para arrumar e partilhar o produto de outras facetas minhas: a fotografia e a escrita. Permaneceu um portfólio até então.
Mas porque o céu que me abriga já não é o mesmo e o sol já não se põe no mar mas sim numa montanha, decidi que quero deste espaço mudança. Preciso que acompanhe a transformação do contexto que me rodeia e que guarde a memória disso. Será meu confidente e difusor de pensamentos: um caderno de viagem.
Abro-o a quem quiser ver e ler num ato de partilha simples que poderá ou não trazer algo ao receptor. Também pode ser o caso de todas as histórias que forem aqui partilhadas sejam-lhe causa de aborrecimento crónico. Ser escritor não é sinónimo de ser bom escritor. Da mesma forma, assumir o ato de escrever e partilhar episódios da minha vida não implica a excecionalidade estipulada pelos cânones contemporâneos. É legítimo perguntar – “mas então, porque a partilha?”.
Há uns anos, enquanto matava tempo vagueando por uma loja de música na baixa do Porto encontrei um caso raro de um disco com uma capa extraordinariamente vulgar mas com um título bem escolhido. Most of us are strangers – A maioria de nós é estranha – é o nome do álbum lançado em 2020 por Jack Sedman and Harry Draper. O álbum de tom melodramático não acrescenta nada de novo na sua temática amorosa. Por sua vez, tem a virtude de compactar uma mensagem que apele a todos expondo problemas generalizados como o medo da solidão, a incapacidade de estar sozinho, a dificuldade em lidar com as emoções, a dificuldade em lidar com as expectativas e a atração heroica pelo abater descomunal da nossa personalidade sobre nós mesmos. A virtude deste titulo é que continua válido caso quisessem desconstrui-lo noutros temas. É por isso que me diz algo.
Nos últimos anos, na azáfama do que significa “tornar adulto” fui encontrando maior conforto e confiança à medida que ia percebendo que ninguém é especial e que, por isso, não haveria mal que eu também não o fosse – most of us are strangers. Recordo com satisfação os tempos em que comecei a ser mais critico face às imagens pimposas e espetaculares das vidas especiais da malta do jet set, constantemente diletantes na tv. Esta expressão do século passado era utilizada para denominar o grupo de celebridades com capacidade financeira para andar de avião numa altura em que era algo muito exclusivo: o conjunto – set – de pessoas que anda de avião a jato – jet. Setenta anos depois e “andar a jato” está acessível à maioria e tem-se feito, na minha opinião, bons progressos em desconstruir esta excessiva iconização de pessoas e das suas vidas especiais que, na essência, são pouco diferentes das do resto da plebe. Claro que os sucessivos escândalos de enganos, traições, álcool e drogas foram uma preciosa ajuda. No sentido inverso, viu-se a ascensão das “pequenas celebridades” a cavalo das redes sociais. Um mundo das aparências irrealistas é perigoso e invariavelmente inútil como uma laranja só constituída pela sua casca.
Foi nas histórias de Bruce Chatwin e John Steinbeck que encontrei pela primeira vez o potencial genial das histórias comuns. Eram mestres a criar personagens tão comuns com problemas tão banais de modo que ao lê-las, surgia um progressivo sentimento de déjà vu, como se já me tivesse cruzado com elas na rua. Este tipo de partilha é-me imensamente reconfortante e por isso decidi aventurar-me a escrever e partilhar as minhas histórias comuns. Acredito que tomar consciência e refletir sobre os meus próprios atos enquanto escrevo também possa ter resultados inesperados aos quais estou curioso. Com certeza, não trará coisa ruim.
Dito isto, não prometo nada a não ser cuidar da atenção do leitor com prudência e, acima de tudo, bom senso. Apesar de estar em viagem pela costa Este australiana, este não vai ser um sítio de descrição de pequenos almoços paradisíacos ou de comparações entre almofadas em quartos de hotel. Se me é difícil arranjar paciência para ler esse tipo de conteúdo, nem imagino o aborrecimento que seria escrevê-lo. Este é um sitio de contador de histórias. Uma fogueira num acampamento, uma mesinha de sala depois do jantar em família. Farei o melhor para ser o mais tendencioso, subjetivo e desviante na esperança que o meu comportamento errante te traga algo, seja o que for.
Everything changes.
I’ve spent the last few months looking at a 12 metre high tree in Australia north of the Tropic of Capricorn. It has a dense canopy of large, thick leaves.
The various families of yellow-crested cockatoos cherish this tree very much. They are large, snow-white birds with an arrogant yellow crest and a short, black, strong beak (as my pinky has already testified).
Cockatoos love its strong branches and even more the hard-skinned fruit that no other bird can open. When I first came here, the tree’s crown was predominantly green. Then it turned green with a little red. Then a little more of the green turned red and the once red turned yellow. Yellow leaves tend to fall off in greater numbers than green ones, so when the crown became visibly more yellow, it quickly lost its colour and leaves. It was never completely bare. And then the green leaves came back keen and motivated.
Just when I thought the tree would return to its original state, I noticed that the cockatoos were now black.
The return to the original state is a myth based on the human being’s intrinsic fear of change.
It was at the end of my master’s degree, in August 2022, that the first sketch of what would become of this space appeared. That summer was marked by a flurry of new experiences, good and bad, normal in the natural extension of the space-time thread. Growing up sorrows. After six intense years as an architecture student, I found myself frightened by the freedom of having an infinite number of paths at my disposal. For the first time, the continuation of the route wasn’t obvious. For the first time that summer, I took the first B line metro of the day from Casa da Música to Povoa (where I lived) at 6.06am, for reasons other than working late at university: bohemian life.
Ordinary came about at the end of the summer, after a fantastic trip to the island of Madeira with five friends. Driven by the desire to have a little place in the digital world where I could exhibit some of my photographs and the procrastination of postponing my entry into the world of work, the world of ‘grown-ups’. OrdinaryRuben appeared as the ‘second portfolio of an architect’ and was the ideal place to organise and share the product of my other facets: photography and writing. It remained a portfolio until then.
But because the sky that shelters me is no longer the same and the sun no longer sets on the sea but on a mountain, I decided that I want this space to change. I need it to follow the transformation of the context around me and keep the memory of it. It will be my confidant and thought diffuser: a traveller’s notebook.
I’ll open it to anyone who wants to see and read it in a simple act of sharing that may or may not bring something to the reader. It may also be the case that all the stories shared here will cause you chronic boredom. Being a writer is not synonymous with being a good writer. In the same way, taking on the act of writing and sharing episodes from my life doesn’t imply the exceptionality stipulated by contemporary canons. It’s legitimate to ask – ‘but then, why share it?’.
A few years ago, while I was killing time wandering around a music shop in downtown Porto, I came across a rare case of a record with an extraordinarily ordinary cover but a well-chosen title. Most of us are strangers is the name of the album released in 2020 by Jack Sedman and Harry Draper. The melodramatic album doesn’t add anything new to its amorous genre. On the other hand, it has the virtue of compacting a message that appeals to everyone by exposing generalised problems such as the fear of loneliness, the inability to be alone, the difficulty in dealing with emotions, the difficulty in dealing with expectations and the heroic attraction to the extraordinary collapse of our personality upon ourselves. The virtue of this title is that it’s still valid if you wanted to deconstruct it into other themes. That’s why it speaks to me.
In recent years, in the hustle and bustle of what it means to ‘become an adult’, I’ve found greater comfort and confidence as I’ve realised that no one is special and that, therefore, it would be okay if I wasn’t either – most of us are strangers. I remember with satisfaction the times when I began to be more critical of the flashy and spectacular images of the special lives of the jet set, constantly flaunting themselves on TV. This expression from the last century was used to describe the group of celebrities who could afford to fly in aeroplanes at a time when it was something very exclusive: the set of people who flew in jet planes. Seventy years on and ‘’flying by jet‘’ is accessible to the majority and, in my opinion, good progress has been made in deconstructing this excessive iconisation of people and their special lives which, in essence, are little different from those of the rest of the masses. Of course, the successive scandals of deceit, betrayal, alcohol and drugs have helped. In the opposite direction, we’ve seen the rise of ‘minor celebrities’ on the back of social media. A world of unrealistic appearances is as dangerous and invariably useless as an orange made up only of its peel.
It was in the stories of Bruce Chatwin and John Steinbeck that I first encountered the genius potential of ordinary stories. They were masters at creating such common characters with such banal problems that reading them gave me a progressive feeling of déjà vu, as if I had already come across them in the street. This kind of sharing is immensely comforting to me and, as I write my own stories, I become aware of and reflect on my actions, which I’m sure won’t be a bad thing.
That said, I can’t promise anything other than to take care of the reader’s attention with care and, above all, common sense. Although I’m travelling along Australia’s east coast, this isn’t going to be a place for describing heavenly breakfasts or comparing pillows in hotel rooms. If it’s hard for me to find the patience to read that kind of content, I can’t imagine how boring it would be to write it. This is a storyteller’s site. A campfire, a living room table after family dinner. I’ll do my best to be as biased, subjective and deviant as possible in the hope that my errant behaviour will bring you something, whatever it is, knowing that writing it will certainly give me something of its own.