Page 1 of the travel notebook - Drawing of the town of Sardoal, Portugal, 2020.
Drawing of the town of Sardoal, Portugal, 2020. In the old part of the village, on the hillside, spaces are so small that streets and squares are almost indistinguishable in size. They are, however, well organized, with a purpose and significance.
É de manhã, são 7:32 e estou de viagem. Acabei de sobrepor o Douro no conforto sobrelevado de um autocarro que me levará até ao centro do interior (de Portugal).
À direita, na margem Norte do rio, a nascente da Ponte do Freixo, existe um grande complexo em ruína de uma fábrica de energia composta sobretudo por dois momentos: o edifício principal, alto e elegante, e um corpo de edificado baixo, sem magia (provavelmente os antigos espaços de armazém).
Enquanto o primeiro tem uma proporção equilibrada, o outro, apesar de largura e altura semelhantes, vê no seu comprimento um desequilíbrio acentuado. São autênticos edifícios corredor.
Este sítio, estas estruturas, são-me familiares. Ao longo deste último ano vi-os em esferovite e k-line na mesa de trabalho da Eva, na Faculdade de Arquitetura. Sobre eles falamos um par de vezes. Acontece que este foi o terreno escolhido para albergar o desafio de projeto para os estudantes do 4º ano.
Passados estes meses, agora em viagem, olho para as paredes erguidas, agora sem a proteção do telhado, e recupero com alguma nostalgia a primeira lição do meu percurso académico, essa já com alguns anos.
Foi-me incutida logo nos primeiros meses enquanto caloiro pelo professor e arquiteto José Soares, que a compôs sob a forma de uma pergunta que intensivamente repetia: “Mas isto é uma rua ou uma praça?”.
À boa moda daquele famoso filme de karaté, ou qualquer outra história alicerçada na relação heroica entre mestre e discípulo, a lição tem obrigatoriamente uma formalização simples e curta do ponto de vista gráfico que contrasta com o complexo e difuso do semântico. Tem de ser impregnada de objetividade para o primeiro momento, e mais ainda de subjetividade para o segundo, adaptando-se às necessidades do discípulo. Deste modo, esta é a minha primeira lição, e poderá não ter sido sentida por mais ninguém.
Rua ou Praça
O primeiro requisito é cumprido rigorosamente. É um puzzle curto (demasiado). E apela na perfeição à presunção de jovem que pensa ter na ponta da língua a resposta correta, pronta para ser lançada instantes depois do desafio ser dado a conhecer. Afinal, quer um quer outro conceito são tão familiares, comuns, que facilmente se assume já dominar toda a sua amplitude. Passado o primeiro ato de arrogância, é altura de mergulhar na vertente objetiva do problema, de formalizar uma ideia concisa sobre um e outro.
Ao primeiro ligo a imagem mental de uma linha (sempre reta). Não existe nela a indicação nem de início nem de fim. Associo-lhe movimento constante, geralmente em ambos os sentidos, dividido entre pessoas e automóveis.
A praça é ampla. É um espaço onde o céu ocupa uma boa parte no enquadramento comum do campo de visão. Tem estabilidade.
Uma é estreita e comprida (na sua proporção), a outra, grande ou pequena, tende a equilibrar as suas feições. É esta a solução do problema? Sou capaz, agora, com este conhecimento, afirmar que o determinado sujeito é praça e não rua (e vice-versa)? A questão resume-se a proporções e, como consequência, funções?
Esta é apenas a primeira camada, a da grafia. Depois existe a semântica, onde se abandona o preto e branco e se entra nos vários tons de cinzento. Pergunta-se: o que faz uma boa praça? O que faz uma boa rua? Estas questões ultrapassam a dimensão da primeira camada do problema uma vez que a complexidade da cidade mostra praças que são ruas, e ruas que são autênticas praças.
O densificar do problema vê-se, portanto relacionado com a problemática da identidade e do caráter. Para a sua construção não basta resumir unidades de medida e funções. O espectro do levantamento necessita obrigatoriamente de ser mais abrangente deixando, por sua vez o reino dos conceitos respetivos para se debruçar num ou noutro caso específico, uma vez ser fundamental o seu contexto.
Que posição ocupa este dispositivo na cidade? Qual o seu peso nas dinâmicas urbanas? Qual a sua envolvente? Com que outros dispositivos comunica mais? E menos? Quais os efeitos e circunstâncias desta comunicação? E pessoas? Quem lá vive? Quem lá passa?
Chegado a este ponto da elaboração do pensamento, o discípulo tem já a capacidade de apreender a lição, ainda que não na sua totalidade (difícil de definir tendo em conta a abrangência da questão). Acontece aquando da compreensão de que esta não é uma questão vinculada aos conceitos de que se serve para se formalizar, pois estes são perfeitamente passiveis de serem substituídos por quaisquer outras construções espaciais, mantendo-se a complexidade.
Isto acontece porque se trata de uma explicitação sobre o próprio significado de arquitetura e do pensamento que a reflete. Arquitetura é relações, ligações, corredores de comunicação que se estabelecem entre uma grande diversidade de elementos complexos. Complexos não pelo valor em si mesmos, mas sim por refletirem a complexidade dos seus utilizadores.
O que agora parece lógico asseguro que nem sempre foi tão claro. É incrivelmente fácil ser-se influenciado em demasia pelo fator estético (que está cá e se acentua à medida que vão sendo tomadas as decisões no projeto).
Arquitetura existe para ser experienciada e vivida. Então, parece lógico ser insuficiente caracterizá-la como bonito ou feio, grande ou pequeno. A experiência, como se desenrola e o que suscita, alia-se à eficiência com que executa a sua função, mesmo quando esta é não ter nenhuma em específico, para a construção do registo critico, humanizado, da arquitetura.
Percebi o quão importante é começar o processo pelas pessoas, aquelas na qual se centra e as que estão à volta. Foi nesta altura que também percebi que nada sabia, nem de umas, nem de outras.
It’s morning, it’s 7:32 am, and I’m on travel. I’ve just crossed the Douro river in the elevated comfort of a bus that will take me to the centre of the interior (of Portugal).
To the right, on the north bank of the river, east of Ponte do Freixo, there is a large ruin of a factory composed mainly of two moments: the main building, tall and elegant, and a low, rather humble body of buildings (probably the old warehouse spaces).
While the first has a balanced proportion, the other, despite similar width and height, shows in its length a marked unbalance. They are authentic corridor buildings.
This place, these structures, are familiar to me. During this last year, I saw them in styrofoam and K-line on Eva’s desk at the Faculty of Architecture. We talked about them a couple of times. As it happens, this was the terrain chosen to host the design challenge for the 4th year students.
After these months, now travelling, I look at the raised walls, already without the roof protection and remember, with some nostalgia, the first lesson of my academic path, already a few years old.
It was instilled in me in my very first months as a freshman by the teacher and architect José Soares, who composed it in the form of a question that he would intensively repeat: “But is this a street or a square?
In the good fashion of that famous karate movie, or any other story based on the heroic relationship between master and disciple, the lesson has necessarily a simple and short formalization from the graphic point of view that contrasts with the complex and diffuse semantic one. It has to be impregnated with objectivity for the first moment, and even more with subjectivity for the second, adapting itself to the needs of the disciple. Therefore, this is my first lesson, and it may not have been felt by anyone else.
Street or Square
The first requirement is strictly fulfilled. It is a short (too short) puzzle. And it appeals perfectly to the presumption of a young man who thinks he has the right answer on the tip of his tongue, ready to be launched moments after the challenge is made known. After all, both concepts are so familiar, so common, that we assume we have already mastered all their breadth. Once the first act of arrogance is over, it is time to delve into the objective side of the problem, to formalise a concise idea about one or the other.
To the first, I associate the mental image of a line (always straight). There is no indication in it of either a beginning or an end. I relate it to constant movement, generally in both directions, divided between people and cars.
The square is wide. It is a space where the sky occupies a good part of the frame of the field of vision. It has stability.
One is narrow and long (in proportion), the other, large or small, tends to balance its features. Is this the solution to the problem? Am I now able, with this knowledge, to state that the given subject is square and not a street (and vice versa)? The question comes down to proportions and, as a consequence, functions?
This is only the first layer, that of spelling. Then there is semantics, where we abandon black and white and enter the various shades of grey. We ask ourselves: what makes a good square? What makes a good street? These questions go beyond the dimension of the first layer of the problem, since the complexity of the city shows squares that are streets, and streets that are authentic squares.
The densification of the problem is therefore related to the problematic of identity and character. For its construction, it is not enough to summarise units of measurement and functions. The spectrum of the study necessarily needs to be broader, leaving the realm of the respective concepts to focus on one or another specific case, since its context is fundamental.
What position does this device occupy in the city? What is its weight in urban dynamics? What are its surroundings? With which other devices does it communicate most? And less? What are the effects and circumstances of this communication? And people? Who lives there? Who is passing by?
Having reached this point in the elaboration of thought, the disciple already has the ability to grasp the lesson, even if not in its entirety (which is difficult to define given the breadth of the question). This happens when one understands that this is not a question linked to the concepts used to formalise it, as these are perfectly capable of being replaced by any other spatial constructions, maintaining the complexity.
This happens because it is an elaboration on the very meaning of architecture and the thought that reflects it. Architecture is relationships, connections, communication corridors that are established among a great diversity of complex elements. They are complex not because of their value in themselves, but because they reflect the complexity of their users.
What now seems logical I assure you that it was not always so clear. It is extremely easy to become overly influenced by the aesthetic factor (which exists and becomes more pronounced as project decisions are made).
Architecture exists to be experienced and lived in. So, it seems logical that it is insufficient to characterise it as beautiful or ugly, big or small. The experience, how it unfolds and what it arouses allies to the efficiency with which it performs its function, even when this is to have none in particular, for the construction of the critical, humanized register of architecture.
I realised how important it is to start the process with people, those in witch that specific architecture focus and those that are around it. It was at this time that I also realised that I knew nothing, neither about some, nor about others.
Page 2 and 3 of the travel notebook - Sardoal, Portugal, 2020.
As part of the academic investigation, the group measured rigorously the width of the urban space at the old part of the town. This process is translated in this list of names and numbers shown on the left image.
This objective record was completed with others in order to translate as best as possible the experience of the space. On the second page, drawing and writing form a united report.